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O dia é delas, mas ainda há muito o que fazer para a igualdade no mundo do trabalho

Por Edilma Rodrigues

Uma professora da Universidade de São Paulo uma vez comentou que só existem dias comemorativos para minorias (pessoas que não têm poder na sociedade): Dia do Índio, Dia da Consciência Negra, Dia das Crianças. O Dia Internacional da Mulher não foge a esta regra. Ainda persiste a desigualdade de gênero em todas as partes do mundo. Melhoramos muito, mas há muito o que fazer. A capacidade de sobrevivência está muito atrelada a esta desigualdade. Especialmente em mercados em que há predominância masculina, como as áreas de tecnologia e financeira. 

A liberdade feminina está condicionada à obtenção de recursos financeiros e a trabalhos mais bem remunerados. Apesar de as mulheres serem mais da metade da população (52,3%), são os homens que têm maior participação no mercado de trabalho (56,7%), como mostra a PNAD Contínua Rendimento de Todas as Fontes 2018, feita pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O estudo indica que os rendimentos das mulheres equivalem a 78,8% ao dos homens, o que significa que elas ganham 21,2% menos que eles.

A especialista de marketing da Infobip, Glaucia Hora, explica que as mulheres sempre tiveram dificuldades de se inserir no mundo da tecnologia – um mercado tido como masculino. “As barreiras são diversas: desigualdade salarial, falta de promoção em cargos de liderança, preconceito no ambiente de trabalho, entre outros fatores que impedem o pleno desenvolvimento profissional das mulheres. Por outro lado, cada vez mais as empresas de diferentes setores – inclusive da tecnologia – vêm discutindo a questão da diversidade. No Brasil, elas ocupam apenas 8% dos cargos de liderança.”

De acordo com Glaucia, na Infobip, por se tratar de uma empresa de tecnologia voltada para o mercado mobile, cerca de 36% da força de trabalho são mulheres, sendo 29% em cargo de liderança. “Este percentual cresce a cada ano, a empresa acredita que o equilíbrio e a diversidade entre gêneros contribuem para a formação de um ambiente de trabalho criativo e mais produtivo. Empresas que apostaram em até 30% de mulheres em cargos de liderança obtiveram, em média, crescimento de 15% em seu desempenho financeiro. Os dados são do estudo mundial realizado pelo Peterson Institute for International Economics.”

Regina Crespo, curadora e consultora independente que atua nos mercados de TI e financeiro, ressalta outra nuance do trabalho feminino: “Sempre precisamos transpor barreiras, principalmente quando entramos em um mercado onde as mulheres são minoria. Os desafios são sempre grandes e a necessidade de provar competências é muito mais frequente e constante,” 

A reflexão que podemos lançar é se empresários, CEOs e outros cargos de comando, remuneram e tratam igualmente homens e mulheres em suas corporações.

Liberdade financeira: trabalho reduz violência doméstica contra mulheres?

Para ampliar a ampliar a análise sobre a implicação entre autonomia financeira e liberdade de escolha, que embora pareça uma dedução óbvia, não é unanimidade. Em determinadas circunstâncias a sociedade ainda culpabiliza indivíduos por serem economicamente dependentes. A violência contra mulheres é um dos mais perversos resultados dessa desigualdade de condições financeiras.

O estudo do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – “Participação no mercado de trabalho e violência doméstica contra as mulheres no Brasil, divulgado em agosto de 2019, contrapõe duas conclusões sobre o tema: a econômica e a sociológica. 

“Os modelos orientados a partir do referencial da racionalidade econômica concluem que o maior poder de barganha que a mulher aufere no casamento, pela maior participação e posicionamento no mercado de trabalho, faz com que o nível de violência de equilíbrio diminua. Por outro lado, as abordagens feministas calcadas na ideia de gênero enfatizam, conforme citado pela Saffioti (2001) que: ‘a execução do projeto de dominação-exploração da categoria social homens exige que sua capacidade de mando seja auxiliada pela violência’. Nesse sentido, o aumento do poder econômico das mulheres na sociedade seria um elemento para tencionar as relações entre homens e mulheres, o que engendraria um aumento nos casos de violência de gênero.”

“Atingir a igualdade para as mulheres é o maior desbloqueio para o desenvolvimento social e econômico em todo o mundo, e ter uma força de trabalho com equilíbrio de gênero deve ser um dado real. Por isso, temos muito orgulho por termos alcançado nosso objetivo de representação igual de homens e mulheres entre os nossos 14 mil gerentes, mas nosso trabalho não para por aqui”, explicou o CEO Global da Unilever, Alan Jope, ao portal Super Varejo.

Violência contra a mulher no mundo do trabalho

A violência contra mulheres não se restringe a agressões físicas. No mundo corporativo, por exemplo, há muitas formas veladas de intimidação, desde piadinhas até exclusão de certas atividades. Regina Crespo salienta que o preconceito sempre existe, principalmente quando se está num universo predominantemente masculino, mas tento superar e seguir em frente. 

“Mudar a percepção de mercado financeiro e do mercado em geral é essencial. Acredito que as empresas devem colaborar criando processos mais inclusivos para mulheres e se empenhando em equilibrar seus quadros de funcionários. Mas o melhor caminho é, nós mulheres, nos apoiarmos e criarmos uma rede de relacionamento, indicações e reconhecimento. Não podemos esperar que parta dos outros, mas sim de nosso posicionamento claro e firme. Devemos valorizar nossas competências!”

Mulheres líderes religiosas?

Outro gueto masculino quase intransponível é o religioso. A ordenação de mulheres não é permitida na Igreja Católica e nem na Igreja Ortodoxa. Em algumas igrejas protestantes esse tabu vem sendo mais ou menos quebrado. A pastora da Igreja Cristã Pentecostal Brasileira, Rosangela Banhos Galvão, explica que a ordenação de mulheres ao pastorado não é uma unanimidade entre as igrejas evangélicas, em algumas denominações há uma série de restrições quanto ao ministério feminino, proibindo-as de exercerem cargos de liderança. “No ministério que faço parte é aceito o pastorado feminino como auxiliadora, no meu caso meu esposo é o pastor responsável pela igreja e eu o auxílio nesta missão, mas não necessariamente a esposa de um pastor deve ser pastora porque trata-se de chamado específico.”

Rosangela, que também é gerente de vendas na Viana Negócios, do setor imobiliário, avalia que as mulheres se destacam no mercado por serem muito mais sensíveis e comunicativas, mas ainda enfrentam preconceitos na sua admissão quanto à disponibilidade de tempo para trabalhar já que revezam seus horários no cuidado com os filhos. “Já vi cliente chegar no plantão de vendas e escolher ser atendido por um homem, seus reais motivos eu desconheço, mas de alguma forma, fez acepção por ser atendido por uma mulher.”

Bons exemplos

Informação divulgada pela Noomis afirma que companhias lideradas por uma CEO têm mais mulheres em cargos de gerência sênior do que as empresas com um homem na mesma função. Organizações com essa característica têm mais mulheres, também, entre os 10% mais bem remunerados na empresa, e contratam mais mão de obra feminina para as funções geradoras de maior receita. É o que mostra o Índice de Igualdade de Gênero (GEI) de 2020 da Bloomberg, com informações de 325 empresas de 42 países e regiões.

Bradesco, Itaú Unibanco, Santander, Goldman Sachs, BB Seguros, BNP Paribas e Bank of America são algumas das instituições acompanhadas pelo índice, formado por companhias de 50 setores diferentes. leia mais

A representatividade das mulheres em altos cargos vem aumentando ao longo dos anos: a última edição da International Business Report (IBR) – Women in Business 2019, pesquisa da Grant Thornton, mostra que no Brasil, o percentual de empresas com pelo menos uma mulher em cargo de liderança foi de 93% em 2019, um crescimento considerável em relação aos 61% de 2018. Mas para os cargos do mais alto nível nas corporações, apenas 15% das empresas possuem uma mulher no topo, segundo a mesma pesquisa. 

Mesmo em minoria, elas fazem a diferença. É o caso de Gil Vasconcelos, com 25 anos de experiência no mercado imobiliário, atua como diretora de incorporação de Kazzas, spin off da construtora e incorporadora Kallas, especializada no segmento econômico do setor imobiliário. O número de mulheres em cargos de liderança ainda é baixo devido a inúmeros fatores: muitas pensam que não são capazes de ocupar cargos tidos como ‘masculinos’, preconceito da própria empresa, dificuldade em conciliar família e trabalho por falta de apoio do companheiro, reflete a diretora de incorporação. Se reconhecer no papel de líder, identificar quais são os desafios a serem enfrentados e como superá-los são algumas das dicas de Gil para as mulheres. Não se subestimar nem se achar inferior, saber qual caminho quer trilhar e ir em busca dos seus objetivos é fundamental, indica. 

Juliana Tubino, VP da Resultados Digitais, é uma das mulheres de maior destaque do mercado de tecnologia no Brasil. Passou boa parte da sua carreira dentro de uma grande empresa, a Microsoft. Em 2017, juntou-se ao time da RD. A executiva teve papel fundamental em fazer da RD a líder em desenvolvimento de software (SaaS) para pequenas e médias empresas no Brasil. Seu principal foco é cuidar da aquisição, retenção e expansão da receita da companhia, acompanhando toda a jornada do cliente. Hoje comanda uma equipe de centenas de funcionários que trabalham nas diferentes áreas da companhia e lidam diretamente com os usuários dos softwares da RD.

A executiva tem como bandeira a luta por aumentar a diversidade dentro da RD, uma das formas comprovadas de aumentar a receita das companhias. Num painel que mediou durante o RD Summit, evento anual da Resultados Digitais, Juliana resumiu o tamanho do desafio: Representar a sociedade é o mais importante. Isso significa ter como norte equipes formadas por 51% de mulheres e 54% de negros nas empresas. 

Com agenda disputada, ela criou uma série estratégias para se tornar super produtiva. Sou bem disciplinada com a minha agenda. Uso todos os hacks de produtividade para dar conta de fazer tudo. Entro no ano com praticamente 50% do meu tempo já agendado. São reuniões individuais, encontros de times, leitura de relatórios etc.”

O caminho apontado por Regina Crespo também passa pelo maior empenho no trabalho. “Em primeiro lugar as mulheres devem mostrar competência, pois dessa forma não há o que ser questionado para uma contratação ou promoção. Uma boa formação, estudo e autoestima são fundamentais para conquistar um lugar ao sol,” finaliza.

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