Crédito de: Freepik.com

IA generativa potencializada pela democratização

Por Ana Carolina Lahr
APIs open source estimularam a criatividade do ecossistema financeiro no Brasil e customizações surgem no mercado
A inteligência artificial generativa já é vista por 97% dos executivos como a grande revolução na forma como a tecnologia é utilizada hoje. A informação, fornecida pelo estudo da Accenture denominado A new era of generative AI for everyone, publicado em março, mostra que o impacto gerado com a chegada do ChatGPT em novembro do ano passado tem tudo para superar o hype e se perpetuar como ferramenta aliada das empresas.
Em comparação ao que vem sendo apresentado no campo da inteligência artificial desde os anos 2000, a grande evolução do modelo apresentado pela OpenAI – e logo depois por outras aplicações abertas, como Google Bard, Github Copilot, Bing Chat, DALL-E, Midjourney, Jasper etc. – pode ser resumida em duas palavras: interpretação e democratização.
“A inteligência artificial por si só abrange temas estudados há bastante tempo. O grande diferencial é que até então a gente não tinha o que chamamos de NLP, Natural Language Processing/Programming, que representam a capacidade de interpretar conteúdos”, explica Thiago Oliveira, especialista em sistema de informação e fundador da Monest, startup que lançou em abril uma plataforma para renegociação de dívidas baseada na IA generativa.
Thiago Oliveira
Em paralelo à evolução dos large language models (LLMs), habita uma segunda revolução global, que é a democratização trazida pelas APIs open source, ou seja, abertas. O posicionamento permitiu aos desenvolvedores dos modelos uma vasta qualidade de dados para treinar suas aplicações e a devolutiva chegou de forma  igualmente rápida à sociedade quando, poucos meses após a popularização da IA generativa, o mercado já passa a usar as APIs para criar modelos customizados e atender a necessidades exclusivas. O movimento é considerado pelo relatório da Accenture como a grande preciosidade da ferramenta, capaz de torná-la amplamente utilizável e valiosa.
“A grande revolução é a integração dos modelos open source com os dados privados, porque assim é possível usufruir do poder dessa tecnologia do ponto de vista de aumento de produtividade e de tudo mais que ela traz, sem as preocupações de segurança, privacidade dos dados etc.”, analisa Pablo Cavalcanti, CEO da Inmetrics, empresa de tecnologia para desenvolvimento de softwares.
Pablo Cavalcanti, CEO da Inmetrics
No Brasil, o avanço no ecossistema financeiro é liderado tanto pelas fintechs e empresas de tecnologia, como a Inmetrics – que já lançou no mercado uma plataforma com seu próprio modelo open source baseado em IA generativa — quanto pelos bancos incumbentes. Uma coisa com que todo mundo concorda é que a IA generativa vai mudar para sempre o jeito de a gente trabalhar, aprender e ensinar. Outra coisa é que todo mundo vai ter algum tipo de assistente ou de tecnologia IA embutida”, pondera Cavalcanti.
Para ele, a grande questão está no fato de que para continuarem relevantes no mercado, as empresas precisam acompanhar a evolução da tecnologia e isso implica ter capacidades para seu desenvolvimento e sua velocidade de experimentação para levar para a produção. Essa realidade não é exatamente palpável para muitos empresários aos olhos do CEO, já que acaba por desperdiçar uma energia preciosa para chegar até o patamar exigido pelo mercado e se manter nele. Por isso, ele aposta que as empresas especializadas em tecnologia devem cumprir um papel social importante no sentido de preparar o terreno para que o mercado passe a usufruir dos benefícios da IA generativa. “Não implica dizer que a indústria não vai desenvolver essas capacidades, mas a gente tem a oportunidade de fazer uma linha de produção dessas soluções que talvez faça mais sentido”, destaca. “O importante, no caso da indústria financeira, por exemplo, é se certificar que essas empresas saibam bem como funciona o ecossistema e conheçam sua regulação, além da LGPD e de tudo que existe em torno da tecnologia hoje, para que possa oferecer uma solução segura do ponto de vista da instituição. Afinal, não adianta ter ganho de produtividade e perder a reputação”, destaca.

Testes e treinamento

A assistente Monest IA, MIA, chegou ao mercado em abril com a proposta de usar a IA generativa para negociar dívidas e já celebra o sucesso do primeiro acordo conduzido totalmente por uma assistente virtual baseada na tecnologia. Com comportamento semelhante ao do ser humano, a API do ChatGPT4 proporciona à MIA o potencial de interpretar e responder como um negociador, mas é responsabilidade da startup inserir no modelo as informações de contexto de cobrança dentro do negócio do cliente. Foi aí que se instalou o maior desafio da empresa na customização da API. “Isso foi superado com os treinamentos intensos. Hoje em dia, em menos de uma semana, a gente consegue colocar novas operações treinando esse modelo”, comemora o fundador. 
A POC foi realizada junto a uma de suas acionistas, a fintech de crédito Mutual, que disponibilizou uma de suas carteiras para os testes. Além do sucesso na conversão, a empresa se beneficiou da economia de cerca de 30% no investimento quando comparado ao capital humano. Os benefícios já levam os gestores a analisarem a migração de todas as carteiras para o sistema. “Claro que cada perfil de cliente representa uma situação, mas a gente acredita que esse modelo de cobrança agrega valor tanto para a empresa quanto para o colaborador”, pondera Paulo Barreiro, CFO da Mutual. 

Incumbentes

No Banco do Brasil, os LLMs são estudados desde meados de 2021 por meio do BB Berth, mas, se até o ano passado o time de IA vinha propondo soluções de forma gradual para as diversas áreas, com a chegada do ChatGPT o cenário se modificou. Para Alexandre Duarte, gerente executivo de tecnologia do banco, o posicionamento público da ferramenta foi o verdadeiro divisor de águas na cadeia evolutiva da tecnologia porque deu visibilidade e escalabilidade aos projetos. “Muitos gestores nos abordaram querendo saber em que nível de testes estávamos. E eles começaram a trazer insights que nem mesmo nós havíamos imaginado. Como já tínhamos trabalhos nessa linha, isso nos deu um bom background para absorver a revolução”, avalia. 
Um dos benefícios gerados pela experiência prévia foi a questão da segurança de dados, um pressuposto essencial para a realização dos testes iniciais. “Antes mesmo da prova conceito do BB Berth, a gente desenvolveu um trabalho que utiliza as plataformas que se conectam com as APIs num sandbox interno e mantém as informações restritas ao nosso ambiente interno”, destaca. 
Com isso, não demorou para que os projetos com IA generativa chegassem às mais diversas áreas do banco. “Hoje, temos projetos em andamento nas áreas de pessoas, crédito, risco, recuperação de ativos (dívidas), tecnologia, secretaria executiva e clientes”, revela. 
O Bradesco também tornou público seu relacionamento com a IA generativa quando divulgou em maio a utilização do ChatGPT como ferramenta complementar à leitura de textos oficiais produzidos pelo Banco Central do Brasil. O Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos (Depec) da instituição financeira tem testado o modelo para obter uma visão agnóstica dos comunicados e atas do Comitê de Política Monetária (Copom). “A IA generativa nos permitirá aprimorar as interações com nossos clientes. Neste momento, nossos estudos estão voltados para entendimento da tecnologia, avaliação de potenciais benefícios e construção de casos de uso. Como fizemos na concepção e na entrega da nossa assistente virtual BIA, vamos realizar abordagens incrementais com valor para a organização e o cliente, sempre respeitando os princípios de IA responsável”, destaca Rafael Cavalcanti, superintendente executivo de Inteligência de Dados do banco.
Rafael Cavalcanti
Ele revela que os principais desafios enfrentados na customização foram a garantia de que o algoritmo extraísse informações relevantes sem ruídos de comunicação e a validação das métricas de sucesso ao final do experimento. “Para a extração de informações relevantes sem ruídos, a abordagem foi aprofundar o tratamento antes de enviar o dado de entrada para o motor de IA generativa. Já para validar as métricas de sucesso, a atuação da área de negócio foi essencial para identificar as informações mais relevantes e coerentes”, revela.
Diferentemente da experiência vivida pela Monest, o atendimento direto ao cliente final ainda não é prioridade para os incumbentes. “Com nossas hipóteses de negócio sendo validadas, seguiremos expandindo nossos casos de uso em escopo e complexidade, e eventualmente desenvolvendo casos de uso com interação direta com nosso cliente”, pondera o superintendente.
No Banco do Brasil, o caminho é semelhante. “A gente ainda está trazendo a solução para o colaborador interno. Ou seja, o cliente final sentirá o benefício por meio dos nossos funcionários até que a gente tenha autoridade para dar respostas diretas a ele por meio desses modelos”, explica Duarte, avaliando que no BB o estágio deve ser atingido em até dois anos.

Oportunidades e desafios

A nova fase da inteligência artificial traz grandes oportunidades para o ecossistema financeiro, já que o novo modelo de atendimento baseado em LLMs aumenta exponencialmente o potencial de interpretação da máquina e agrega valor a vantagens já comprovadas na adoção dos populares chatbots – como redução de custo e aumento da eficiência dos atendimentos. O resultado é uma melhor conversão no canal e uma melhor experiência para o cliente na ponta, mesmo quando ele ainda não utiliza a ferramenta diretamente.
“Na prática, o que se tinha era uma inteligência que criava um fluxo de régua a ser seguido e que, em alguns momentos, conseguia uma interpretação por intenções dentro do contexto, por meio de sinônimos”, avalia Oliveira, que usa a atendente virtual da Monest para exemplificar como o diferencial que oferece flexibilidade e conexão contribui com a melhora da experiência do cliente. “A gente não a treina para oferecer determinadas opções ante os acontecimentos, mas para entender a situação e extrair daí a melhor opção de negociação. Nos testes, registramos um caso no qual o cliente disse que se encontrava em uma situação difícil porque sua esposa estava no hospital e por isso ele havia gastado além do planejado. A MIA respondeu de forma empática ao problema, além de apresentar a possibilidade de parcelar a dívida de forma que ‘caiba no seu bolso’, segundo a expressão usada por ela”.
Os próximos passos da startup estão concentrados na melhora da experiência de cobrança e para isso a intenção é transformar o atendimento digital pelo WhatsApp em atendimento por voz. “Os maiores desafios são técnicos e dizem respeito à velocidade de processamento dos LLMs, já que hoje uma resposta demora em torno de 20 a 30 segundos para ser gerada e no cenário da fala isso é um grande problema. Mas, observando o crescimento exponencial da tecnologia dos últimos meses, acreditamos que em pouco tempo essa velocidade será melhorada”, avalia o fundador.
A experiência mais fluida, com menor esforço no desenvolvimento e na curadoria das respostas também é um ganho destacado pelo superintendente executivo de Inteligência de Dados do Bradesco. “Nos últimos meses, focamos em pensar, em conjunto com as áreas de negócio, operações e suporte, iniciativas que gerem valor para a organização em termos de eficiência e experiência do cliente. Temos mapeados casos potencialmente relevantes no backoffice e nossos primeiros testes apresentam benefícios promissores com ganhos de eficiência operacional”, revela.

Segurança e ética enquanto o mercado aguarda a regulação

Com o objetivo de estabelecer princípios, regras, diretrizes e fundamentos para regular o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no Brasil, foi instalada em março do ano passado uma comissão para subsidiar a elaboração da minuta do substitutivo da regulação da inteligência artificial no país com base nos projetos de lei (PLs) 5.051/2019, 21/2020 e 872/2021.
A comissão, que ouviu uma pluralidade de acadêmicos e representantes de diversos setores da sociedade civil durante mais de 70 audiências públicas, entregou o documento no dia 6 de dezembro ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.
O PL 2.338 busca estabelecer os direitos de proteção das pessoas impactadas pelos sistemas de IA e apresentar ferramentas de governança e um arranjo institucional de fiscalização e supervisão para, assim, criar “condições de previsibilidade acerca da sua interpretação e, em última análise, segurança jurídica para a inovação e o desenvolvimento tecnológico”.
No entanto, essa história ainda não tem previsão de conclusão. “Estamos longe de chegar a um consenso sobre o assunto”, pondera a advogada Patricia Peck, da Peck Advogados
Patricia Peck, da Peck Advogados
Ela destaca que a redação atual é mais prejudicial que positiva, uma vez que pode impactar outras legislações muito bem resolvidas no Brasil, como a lei do Cadastro Positivo e o tratamento de dados de score de crédito. “Algo que em um país como o nosso, em desenvolvimento e precisando oferecer acesso ao crédito mais barato, é algo muito ruim”, avalia.
Apesar disso, Patricia acredita que é importante que o Brasil tenha uma legislação sobre inteligência artificial que sirva de guia para estimular o desenvolvimento tecnológico, social e econômico sustentável, uma vez que a tecnologia já está sendo aplicada. Para ela, o melhor caminho seria definir um código de conduta de melhores práticas de indústria, e contemplar temas como o uso ético e os padrões de desenvolvimento almejados. “Não adianta o Brasil querer avançar agora com uma legislação muito técnica porque pode ficar na contramão do que venha a ser decidido pelos outros países”, conclui.
Enquanto a regulamentação da inteligência artificial não avança no país, as empresas pioneiras na sua adoção têm se empenhado em garantir que ela seja utilizada de maneira ética e segura.
No Banco do Brasil, por exemplo, todas as implementações que utilizam os LLMs são aplicadas em um framework construído junto com o Mila, Instituto Canadense que é referência em IA, o que resulta em uma compliance interna. 
“Nosso grupo está muito preocupado com a segurança e também com a questão da regulação. Ele atua junto à Febraban para fazer a leitura dos PLs e, dentro do que tem visto, vem tomando algumas medidas internas”, explica o gerente de tecnologia.
Entre elas, está a formalização de um documento de diretrizes para desenvolvimento de IA com ética, que faz parte do ciclo de desenvolvimento e que, entre outras coisas, visa padronizar o desenvolvimento na área de IA dentro dos pressupostos éticos do banco. Entre os temas contemplados, está a preocupação com a explicabilidade do modelo, ou seja, como cada uma das decisões tomadas pelo modelo foi feita até chegar na versão em que se encontra, e a questão dos testes finais, que dispõe que os gestores dos projetos atuem tanto no momento de definir os padrões de resposta esperados quanto na validação do conteúdo, para verificar se os direcionamentos estão sendo cumpridos.
Insights
A pesquisa Panorama dos Bancos 2023, lançada pela Cantarino Brasileiro na 18ª  edição do Anuário Brasileiro de Bancos, mostra que, depois do foco no cliente, a inteligência artificial será a segunda mais importante tendência do mercado financeiro do Brasil nos próximos dois anos, sob a perspectiva dos bancos.
No entanto, embora a experiência dos clientes nos canais digitais esteja no topo dos investimentos no período, aspectos de infraestrutura como a análise de dados e a inteligência artificial foram considerados de importância intermediária.
A realidade pode ser bruscamente revertida nos próximos meses, já que desde que surgiu – em meados de novembro, com o ChatGPT –, a IA generativa iniciou uma nova fase na adoção da tecnologia e promete melhorar exponencialmente a experiência do cliente.
Dados globais trazidos pela Accenture no mês de maio por meio do estudo Reinventing Enterprise Operations começam a desenhar esse cenário e mostram que quase 73% das empresas em diversos setores já estão priorizando a IA sobre todos os outros investimentos digitais, sendo que as experimentações com o modelo baseado em large language models (LLMs) proposto pela OpenAI estão entre os recursos visados.
*Esse conteúdo foi originalmente publicado no Anuário Brasileiro de Bancos, da Cantarino Brasileiro. Clique aqui para baixar o material na íntegra. A pesquisa completa do Panorama dos Bancos 2023, você encontra aqui.

Compartilhe

Notícias relacionadas

Exclusiva
Prêmio Banking Transformation reforça necessidade de uma agenda ESG transversal
Dados revelam a diversidade na composição dos times envolvidos nos cases inscritos; reflexão é incentivada...
Exclusiva
Com recorde de inscrições, 19º Prêmio Banking Transformation reflete crescimento do setor financeiro
No total, 282 cases concorrem às 20 categorias, um crescimento de 11% em relação à...
Exclusiva
Todo mundo pode ser banco?
Precursores do embedded finance destacam que é possível gerar valor para um negócio com serviços...
Exclusiva
Mapa inédito revela aptidão de diferentes segmentos para inserir produtos financeiros em seus portfólios
Levantamento da Cantarino Brasileiro originou dados detalhados sobre o cross industry financeiro com nove segmentos...

Assine o CANTAnews

Não perca a oportunidade de saber todas as atualizações do mercado, diretamente no seu e-mail

plugins premium WordPress
Scroll to Top