A nova lei cambial e as perspectivas para o mercado de pagamentos no Brasil

A nova lei cambial e as perspectivas para o mercado de pagamentos no Brasil

Por Mônica Leite*

Temos assistido, no mundo inteiro, a novos produtos e soluções de pagamentos serem lançados quase que semanalmente – com a missão de facilitar a vida das pessoas em um mercado cada dia mais globalizado. Contudo, no Brasil, eles esbarram em entraves regulatórios, muitas vezes de cunho de controle cambial, impedindo o acesso, por pessoas físicas ou jurídicas aqui baseadas, a produtos mais modernos, com tecnologias avançadas e preços mais competitivos do que os atualmente disponíveis no mercado doméstico.

Com o objetivo de reduzir essa barreira regulatória, em 2019, o Banco Central encaminhou à Presidência da República um Projeto de Lei[1] (PL) para reformular o mercado de câmbio brasileiro, que dispõe também sobre capital brasileiro no exterior e capital estrangeiro no País. O PL representa um importante passo rumo à liberalização do regime cambial brasileiro e faz parte da Agenda BC#, na dimensão Inclusão, que tem como objetivo facilitar o acesso ao mercado para todos, com mais simplicidade e menos burocracia. 

O PL é mais conciso e moderno do que as normas atualmente vigentes e concede ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao Banco Central a opção de se adaptarem às necessidades de mercado conforme elas forem surgindo, tornando o ecossistema mais eficiente e seguro. Na perspectiva do Banco Central, se aprovado, o PL abre caminho para, no futuro, o real se tornar uma moeda conversível internacionalmente – o que não é pouco.

Certos aspectos basilares do controle cambial são mantidos pelo PL, mas com alguma possibilidade de flexibilização por parte do CMN e do Banco Central. Por exemplo, é mantida a obrigatoriedade de operações de câmbio serem realizadas por agentes autorizados a operar no mercado de câmbio (centralização cambial que existe desde 1930), porém, com base no PL, o CMN e o Banco Central podem autorizar outros tipos de instituições a efetuar remessas internacionais de moeda nacional ou estrangeira.

Adicionalmente, apesar de a abertura de contas em reais por não residentes e contas em moeda estrangeiras já ser regulada, o PL deixa claro que compete ao Banco Central regulamentar quem pode manter conta em moeda estrangeira no Brasil e segundo quais requisitos e procedimentos isso será possível. Com tais medidas, o PL também tem o potencial de favorecer o uso do real em negócios internacionais.

As ambições do Banco Central com a nova lei cambial me parecem bastante arrojadas, mas, para que sejam efetivamente condizentes com as expectativas do mercado, que anseia por mudanças expressivas nessa área, é fundamental que as normas cambiais estejam alinhadas com as normas de pagamentos, e ampliem o nível de atuação dos facilitadores de pagamentos internacionais, permitindo, entre outras coisas, que eles sejam utilizados não apenas para operações vinculadas a aquisição de bens e serviços, mas também em transferências unilaterais e entre pessoas – bem como insiram as contas de pagamentos gerenciadas por instituições de pagamento no escopo das normas cambiais, já que elas têm papel fundamental na competitividade, inclusão financeira, inovação e transparência na prestação de serviços de pagamentos, 

podendo contribuir com a modernização desse segmento.

Se a dimensão Inclusão da Agenda BC# significa facilidade de acesso ao mercado para todos (pequenos, médios e grandes, investidores e tomadores, nacionais e estrangeiros), uma medida acertada para alcançar esse objetivo, no que tange aos pagamentos transfronteiriços, é justamente o uso de plataformas digitais e tecnologia, que implicam menos burocracia e simplificação de procedimentos, com consequente diminuição de custos. Nesse contexto, as fintechs e paytechs têm muito a contribuir.

O PL também pretende ampliar a possibilidade de abertura de conta em moeda estrangeira por brasileiros, o que pode trazer vantagens, por exemplo, aos exportadores brasileiros, especialmente os de pequeno e médio portes. Em tese, desde 2005, exportadores brasileiros podem decidir se e quando internalizar os recursos resultantes da venda de produtos e serviços, conferindo-lhe a chamada cobertura cambial. Eles têm, inclusive, a opção de receber os pagamentos no exterior em contas bancárias de sua titularidade.

Porém, essa facilidade, na prática, não atinge os pequenos e médios exportadores, que, muitas vezes, não são o público-alvo dos bancos estrangeiros e tampouco têm a sofisticação necessária para abrir e manter uma conta bancária no exterior junto a instituições financeiras tradicionais. Se de fato as expectativas de modernização se confirmarem, será possível a esses pequenos e médios exportadores abrirem conta em moeda estrangeira no Brasil, o que, em tese, lhes permitirá competir, de forma isonômica, com os grandes exportadores, definindo o melhor momento para converter recursos para reais ou utilizando esses recursos para pagar fornecedores internacionais.

Com um senão: essas opções só atingirão os objetivos propostos se a conta em moeda estrangeira puder ser uma conta de pagamento ou digital, que de fato promova a inclusão financeira dos pequenos e médios negócios.

São boas notícias de um PL promissor. Mas só o trâmite no Congresso dirá o quanto o País quer, mesmo, evoluir e se tornar mais competitivo além fronteiras. O relógio está correndo.


[1]  Projeto de Lei (PL) nº 5.387/19.

*Mônica Leite é diretora jurídica do PayPal Latam

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